Séries e TV

Crítica

Vade Retro - 1ª Temporada | Crítica

Série dos criadores de Os Normais tenta falar do mal em essência, mas termina sendo essencialmente ruim

01.07.2017, às 12H34.
Atualizada em 01.07.2017, ÀS 13H02

Em um dos episódios finais de Vade Retro, criação de Alexandre Machado e Fernanda Young, o afetado personagem de Tony Ramos, chamado de Abel Zebu, dá um de seus tradicionais monólogos iniciais sobre a natureza do mal que está velada na maioria das engrenagens sociais. Ele conta a história do milagre da transformação da água para o vinho de uma maneira lógica e convenientemente cética. A perspectiva que ele apresenta é simples, mas exerce um papel devastador naqueles que estão abertos ao questionamento: o bem, o milagre, o mal, todos esses impulsos elusivos são dependentes da crença, da fé.

Estão nesses monólogos de início de episódio as maiores qualidades dessa que já parece ser outra série global fadada a terminar com apenas uma temporada. O inégavel talento de Tony encontra, nesses momentos, um texto sagaz que é característico da obra de Fernanda Young, embora sozinho não consiga desviar o show de outros grandes problemas que o constituem. É como se toda semana Vade Retro flertasse com analogias provocativas sobre o que existe de mais impulsivo e egoísta na natureza humana. Mas, deixando a importância perder-se no caminho, em nome de decisões estilísticas equivocadas.

Baseado nisso, o que a série propõe é um flerte constante entre a ideia de que aquele homem é apenas um lunático corrupto que gosta de brincar de ser o capeta e a possibilidade real de que ele o seja, já que diante do nosso cenário político, não seria surpreendente se o capiroto em pessoa decidisse dar as caras em terrenos brasileiros. A série faz um investimento covarde nessa ambiguidade, tomando decisões fáceis e que enfraquecem a emissão de expectativas. O trabalho de Fernanda e Alexandre raramente foi sutil (Os Aspones talvez tenha sido a coisa mais minimalista que já fizeram), mas a sutileza é importante em um produto que tem as dinâmicas entre bem e mal tão essenciais para o texto.

Maniqueísmos

A trama de Vade Retro começa quando o namorado de Celeste (Monica Iozzi), que é vivido por Juliano Cazarré, conta ao tal Abel Zebu, no final de uma palestra, que ela é a criança que foi tocada pelo Papa em sua visita ao Brasil. Abel imediatamente decide usar Celeste para – através de uma forte manipulação – conseguir que ela abrace seus planos. É aí, então, que a série começa a deixar turvos seus objetivos, já que o começa como uma maneira de demonizar os corruptos profissionais, logo em seguida se transforma em um jogo de mistérios sobre aquele homem ser ou não o diabo. Vade Retro não se decide se vai ser metafórica ou literal.

Até a metade da temporada, parece que tudo que Abel quer é exercer seu charme transgressor contra uma advogada falida que fica deslumbrada com essa atenção. O texto fala em planos para fazê-la de laranja e para usá-la para lavagem de dinheiro. Até aí podemos elogiar a alegoria diabólica proposta pelo texto e que é jogada toda em cima da imagem do político e grande empresário típico do nosso país. Até mesmo o característico humor escatalógico dos criadores funciona quando eles fazem com que Abel esconda um rubi “dentro” da bunda de Celeste sem que ela saiba. Se um dos plots é o divórcio entre e ela a mulher Luci (Maria Luísa Mendonça, afetadíssima), faz sentido que ele encontre formas absurdas de ocultar bens.

O problema é que nos episódios finais, a série abandona a metáfora capitalista que é tão bem defendida nos monólogos iniciais e passa a ser uma piada longa e sem graça sobre Abel ser o líder de um culto satânico e querer engravidar Celeste para gerar um anticristo. A partir dai é “mestre” pra lá e “mestre” pra cá, rituais e uma progressão estranha da Celeste seduzida para a Celeste consciente. O texto continua insinuando que talvez Abel seja só um lunático, mas abandona essa interessante possibilidade de devaneio super produzido na última cena, quando o final do personagem é colocado em dúvida. De fato, a série não completa seu ciclo nem quando era metáfora e nem quando passa a ser literal.

Há bons momentos de riso, um elenco afiado e Monica e Tony cheios de boa química. Luciana Paes e Nathalia Falcão roubam quase todas as cenas em que aparecem, mas o maior problema de Vade Retro é a redundância constante de imagens maléficas unidas a tons de voz maléficos, atuações arregaladas e absolutamente nenhuma sutileza. Nesses tempos em que vivemos, narrativas sobre o mal essencial precisam se esforçar mais para serem acessíveis, justamente porque como Abel mesmo diz em dos monólogos iniciais, a mentira e a maldade são naturais e inerentes e não necessariamente refletem a imagem do diabo. Vade Retro falha em toda sua incursão antimaniqueísta e termina diabolicamente irrelevante. O pacto de sangue para o sucesso nesse caso, não funcionou.

Nota do Crítico
Regular

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