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The Deuce não é só mais uma série da HBO com nudez e violência

Assistimos ao primeiro episódio da nova criação do produtor de The Wire

16.09.2017, às 12H43.
Atualizada em 17.09.2017, ÀS 06H04

Embora esteja bem velha já a anedota de que as séries da HBO sempre se sustentam de alguma forma em nudez e violência, continuam surgindo exemplos que confirmam a regra. O mais novo é The Deuce, mas a série de TV criada por David Simon sabe usar essa expectativa a favor da sua dramaturgia, de um jeito bastante interessante.

O produtor de Homicide e Treme cria mais uma vez um panorama com várias subtramas que se cruzam de forma orgânica, formato que rende a Simon elogios até hoje por conta de sua The Wire. Em The Deuce, o contexto é a Nova York dos anos 1970 e 1980, período crítico de abandono e desesperança da cidade, e as subtramas envolvem tipos próximos de párias sociais: prostitutas e seus cafetões, apostadores, empreendedores da noite. James Franco e Maggie Gyllenhaal puxam o elenco (ambos aparecem nus no primeiro episódio, inclusive), mas o forte de The Deuce é a teia de personagens.

A indústria pornô eventualmente se tornará o tema central da série, cuja primeira temporada só tem oito episódios, mas o piloto dá apenas indícios disso (os cinemas da região da Times Square parecem um ponto de cruzamento de subtramas) e não tem pressa em cruzar plots e demarcar mesmo os seus temas. O trânsito entre espaços da cidade é o destaque nesse primeiro momento; o protagonista Vincent (um dos irmãos gêmeos que Franco interpreta) chega a Manhattan de metrô vindo do Queens com o maior semblante de derrota, é como se o trajeto em si fosse algum tipo de punição. A computação gráfica que mostra a recriação da NY da época se faz notar, mas o principal, a título de dramaturgia, é esse vaivém que denota as distâncias emocionais entre os personagens.

Então quando esses personagens se cruzam, como quando Vincent testemunha uma agressão vinda de um cafetão que também acompanhamos desde o começo do episódio, isso se amplifica porque conseguimos entender bem as separações dos espaços. Aí entra a forma como David Simon usa bem a expectativa de nudez e violência a seu favor: porque estamos na Nova York de 1970, esperamos mesmo a violência, mas ela só vem em certos momentos, depois de muito suspense, e é possível entender que essa violência nasce, antes de tudo, dos cruzamentos desses personagens. Em The Deuce, os encontros podem gerar empatia, mas dada a vocação de tragédia dessa série fica claro que gerarão principalmente disrupção, como ocorre também em The Wire.

Esse suspense e essa criação de expectativa não dependem só do texto de Simon, e se manifestam de forma poderosa na imagem graças à direção segura de Michelle MacLaren. É ela quem sopra vida na ambientação de época, não só nos movimentos elegantes de câmera, que dão um caráter mais cinematográfico e menos televisivo a The Deuce, mas especialmente nos planos-detalhes. Esses registros poderiam sair bastante fetichistas (planos-detalhes de objetos de época, pôsteres, decoração setentista) mas MacLaren sabe eleger bem o que filma e o que privilegia na imagem, e os planos-detalhes de botas, de pés e mãos, de gestuais, ajudam a dar especificidade às coisas.

Embora os anos 1970 de Nova York já sejam um período bem explorado na produção hollywoodiana (Franco está a cara de um jovem Harvey Keitel), essa especificidade consegue em The Deuce arejar uma trama que muita gente já deve considerar bem manjada. Se essa nova criação de David Simon parece ter bastante potencial, ainda, é porque seu talento para as tramas plurais cruzadas encontra no formato longo da televisão um veículo ideal de se desdobrar e se expandir.

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