Star Trek sempre foi sobre abraçar as diferenças. Nas viagens da Frota Estelar, seja na nave comandada por Kirk, Picard e tantos outros, a ordem é explorar a fronteira final - o espaço - audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve antes. Logo, nada mais natural que Star Trek: Discovery, a nova série da criação de Gene Roddenberry, chegue em 2017 estrelada por duas mulheres, uma negra (Sonequa Martin-Green) e outra asiática (Michelle Yeoh). A proposta é levar a franquia de 51 anos para onde a TV jamais esteve.
A temática dos dois episódios de estreia - “The Vulcan Hello” e “Battle at the Binary Stars” - trabalha não apenas a ideia de diversidade, mas das relações entre os diferentes. Seja pelo conflito com os Klingons, povo que vê o discurso diplomático da federação como uma ameaça a sua cultura, seja pelo arco da Michael Burnham (Martin-Green), a primeira humana a receber educação Vulcana. Sua disputa é individual, usando a lógica como uma ferramenta de defesa para os traumas do seu passado. Essa tática falha quando o seu raciocínio se torna emocional e o mais correto passa a ser quebrar as regras, o que a coloca em conflito com a Capitã Georgiou (Yeoh).
Apesar de ter Sarek (James Frain), o pai de Spock, como mentor, seu drama não é exatamente o mesmo do famoso oficial de ciências vulcano. Burnham não está entre a lógica e a emoção, ou em aprender a aliar uma coisa a outra. Ela precisa apenas lembrar que não existem absoluto, que não existe uma fórmula para cada situação. Os dois primeiros episódios a jogam em meio a um inesperado conflito com os Klingons para explorar completamente a sua personalidade e apontar que o título não se refere apenas ao nome de uma nave ou ao espírito aventureiro da série. Trata-se de uma descoberta pessoal.
Da contribuição de Bryan Fuller, que desenvolveu a série inicialmente, mas se afastou por divergências criativas, Star Trek: Discovery aproveitou o esmero visual do produtor/roteirista. Das cenas com os Klingons, na nave Shenzhou ou em uma simples missão em um planeta desértico, a qualidade e a quantidade de detalhes são impressionantes. Akiva Goldsman, seu substituto, um roteirista veterano da franquia (responsável pelos scripts do filme de 2009 e de Sem Fronteiras, de 2016), ficou encarregado de dar a Discovery um tom familiar, abraçando suas inovações dentro de um universo preexistente. Saru, o oficial alienígena vivido por Doug Jones é um bom exemplo dessa combinação entre as visões de Fuller e Goldsman. Sua aparência se destaca pelo design e o realismo, enquanto seus diálogos são Star Trek puro, cheios de humor involuntário e lições existenciais.
O problema dessa apresentação inicial de Star Trek: Discovery é que, embora inicie bem a jornada da sua protagonista, a série apenas teoriza a que veio. Grande parte do elenco principal, incluindo o Capitão Gabriel Lorca (Jason Isaacs), ainda precisa ser apresentado, tornando o próximo episódio uma nova introdução, o que pode prejudicar a sua relação com um novo público. A sua indecisão narrativa é outra negativa, com os dois primeiros capítulos revelando uma construção tão confusa sobre o que fazer quanto a sua heroína. Idealizada para a era do streaming, a série mantém-se semanal e em uma estrutura de TV aberta, com respiros para comerciais inexistentes. Isso atrapalha o fluxo de uma narrativa escrita por etapas, não por ganchos.
A nova série de Star Trek ainda precisa provar que está mesmo no caminho da sua proposta de inovação, indo além de um discurso de diversidade que já éintrínseco à franquia. Por enquanto, seus dois primeiros episódios podem ser considerados um prólogo para a jornada de Michael Burnham que, espera-se, descobrirá em breve o seu papel dentro desse universo.
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