Semana passada, a Bungie detalhou "Age of Triumph", o evento que simbolizará o fim de Destiny, seu popular jogo de tiro de ficção científica. Agora, começam os preparativos para a continuação, prevista para sair este ano. Da sua Alpha até o seu "re-lançamento" com a expansão O Rei dos PossuídosDestiny mudou mais que a maioria dos games modernos, mas apesar de problemas claros, um enorme grupo de jogadores, chamados na mitologia de Guardiões, se mantiveram fiéis ao jogo.

Quando Destiny chegou em 2014, ele foi louvado por seu excelente gameplay, mas criticado pela falta de profundidade nos sistemas e história. Isso afastou muitas pessoas do jogo, mas os que permaneceram - ou voltaram - foram recompensados com enormes melhorias. Continuar jogando, entretanto, muitas vezes se mostrou um desafio. Como, então, a Bungie conseguiu manter as pessoas lá?

Comunidade de Guardiões

Destiny

"Gameplay fantástico, um mundo interessante e o amor da comunidade pela Bungie com certeza foram fatores," falou Henrique "MarquesZero" Marques, especialista em desenvolvimento de audiência da Broadband TV e jogador ativo de Destiny. "Se o jogo não tivesse uma das melhores jogabilidades de jogos de tiro em primeira pessoa da geração, sem dúvidas a longevidade dele seria muito menor. Aliás, o sistema de loot inspirado em Diablo é uma grande máquina de cassino que você ama testar suas chances e sentir uma explosão de alegria quando aquele item lendário aparece."

"Eu diria que foi um mix entre a Bungie e os fãs não desistirem do jogo, apesar do lançamento meio conturbado o jogo tava tentando se consertar o máximo possível e tentando agradar o publico corrigindo inúmeros problemas, exemplo disso é o Drop Rate das coisas," adicionou Vitor Freitas, editor de podcasts. "No ano 1 era até um meme o criptarca te dar um item de raridade menor que tu entregou a ele, muitas vezes transformando um engrama exótico (de qualidade máxima) num engrama azul (terceira melhor qualidade.). Até O Rei dos Possuídos chegar, foi essa insistência que manteve Destiny vivo aos meus olhos, apesar de não ter participado diretamente da comunidade na época."

Se Vitor não estava presente na comunidade no começo de tudo, o streamer Hugo "Hug New" Novo estava, e para ele o grupo de pessoas que davam vida ao jogo foi a chave de tudo. "Creio que Destiny sobreviveu por muito tempo graças a sua comunidade que se sentiu envolvida no jogo e que tinha esperança de receber atualizações e DLCs que ajudariam a refinar e consertar seu conteúdo," ele explicou.

Por ter um grande componente online - hubs para onde todos os jogadores vão entre as missões, multiplayer cooperativo e competitivo, e encontros aleatórios com outros jogadores nos mapas - Destiny facilitou a criação dessa comunidade de forma natural. Desde o começo você fazia parte de algo maior, tinha inúmeras opções para jogar junto com amigos - vale lembrar que o PS4 e Xbox One estavam no mercado há menos de um ano, então não havia muitos jogos cooperativos - e segredos o suficiente para incendiar os fóruns com teorias, guias e debates.

Destiny

"Eu me sentia como se estivesse num grupo de pessoas esquisitas. Por causa da péssima fama que o jogo adquiriu logo de início, o meme 'As pessoas ainda jogam Destiny?' foi criado e todos que ainda jogavam eram de certa forma ridicularizados. Eu achava divertido, pra ser sincero" admitiu Guilherme "FunkyBlackCat" Hoffman, youtuber. "Quando parei de jogar pela primeira vez, eu fiz parte das pessoas que tiravam sarro de quem jogava. Quando viciei de novo, eu me tornei alvo das piadas. Destiny é um jogo difícil de explicar pra alguém de fora, e convencer a jogar."

Para Vitor, o valor dessa comunidade vai além do jogo. "Acho que mágico define afinal foi graças a essa necessidade de achar gente pra jogar que eu tive que deixar meu lado 'anti-social' mais sob controle," ele comentou. "Entrar num clã do jogo foi uma das melhores coisas pois fiz amigos de vários lugares do mundo e a gente conversa sobre múltiplas coisas enquanto faz uma raid ou um strike. Foi provavelmente o primeiro MMO da vida que me mostrou esse aspecto social do gênero e eu amei cada segundo dessa experiência."

A comunidade, entretanto, não foi a única razão pela qual os jogadores aguentaram o começo conturbado de Destiny. Como Marques destacou acima, a ótima jogabilidade, especialmente no gameplay de momento-a-momento, ajudou a mantê-los lá. "É realmente bizarro você notar aqueles momentos em que não existe mais praticamente nada para se fazer no jogo, mas você ainda quer jogar," ele nos disse.

"Como eu disse antes, para mim Destiny tem o melhor gameplay em um jogo de tiro em muito tempo. Isso combinado com o cassino que é o jogo, é como se o jogador fosse um cachorrinho louco por aquele pedacinho de comida mas que Destiny só desse para você de uma em uma hora. É parte frustrante e também parte a melhor coisa do mundo," explicou. O aspecto de cassino, a busca pelo loot, equipamentos, armas e coisas assim, é um sentimento compartilhado pelos outros jogadores também.

Destiny

"De início, quando o jogo ainda não tinha nenhum conteúdo adicional, o que me prendia era a caça por equipamentos novos, que eram difíceis de conseguir. Após as DLCs foquei mais em atingir o nível de Luz máximo do jogo, o que demandava tempo e paciência. Junto a esses fatores também tinha a vontade de ver como a história de Destiny terminaria," explicou Hugo.

Suas histórias. Nossas histórias.

Com mais jogos a caminho, a história de Destiny ainda está longe de ser concluída, e por mais que haja um fascínio enorme com a mitologia criada pela Bungie, são as histórias engraçadas, curiosas e trágicas que os jogadores formaram enquanto jogavam que servem de combustível para alimentar os Guardiões. Algo innesperado que aconteceu na busca por um equipamento, um momento divertido com amigos, coisas assim.

"Acho que minha primeira Raid no clã se classifica como memorável, já que era minha primeira vez e estávamos no Hard Mode eu tava com muito medo de atrapalhar os veteranos que estavam jogando aí acabei tendo que pegar as mecânicas meio que 'on the go' e isso gerou algumas momentos onde eu fazia algo, literalmente, por um triz. Dava pra sentir o alivio e o choque de alguns dos veteranos com a minha sorte, que me ajudou a fazer amizade com o pessoal," contou Vitor.

A experiência também se mostrou uma boa oportunidade para ensinar um pouco de português para os americanos que estavam no sei time. "No final, eles perguntaram meu nome e eu tive que ensinar como se diz Vitor, já que pra um gringo não é exatamente simples, desde então boa prate do clã me chama de Vitor, apesar do leve nó na língua pra dizer," ele lembra, destacando esse como um momento importante na sua jornada na comunidade.

Entre os momentos lembrados por FunkyBlackCat, um deles traz à memória um dos elementos mais famosos de Destiny em seu primeiro ano: a Loot Cave, uma caverna onde inimigos surgiam e quase sempre geravam itens bons uma vez abatidos. "Às vezes passávamos tardes inteiras conversando e atirando na caverna, era uma certa forma de relaxar no jogo," ele explicou. Outras grandes lembranças, entretanto, vêm das horas difíceis. "Quando lançaram a Raid da expansão O Rei dos Possuídos, nós exploramos o desafio sem ver nenhuma dica na internet. Foi fantástico desvendar e descobrir como se passava de cada área, e o boss final requeria uma coordenação absurda de todos os jogadores para ser derrotado."

Parece que todas as memórias envolvem momentos que juntam jogadores, ou que trazem à tona a conquista de um ótimo item. Hug New lembra das duas coisas. "Duas memórias em específico vem em minha cabeça. A primeira, quando completei pela primeira vez a Incursão: 'Câmara de Cristal' com meu esquadrão, o que foi uma sensação incrível. A segunda, quando ganhei a arma mais icônica de Destiny: Gjallarhorn, que era incrivelmente poderosa e difícil de se conseguir," comentou o streamer.

"Precisamos de um tempo"

Destiny

As ótimas histórias, comunidade unida e gameplay divertido são um tema comum visto em quase todos os jogadores de Destiny. Mas mesmo assim, em alguns momentos, o jogo forçou demais a barra e afastou pessoas que já haviam depositado centenas de horas. Foi o que aconteceu com Henrique.

"Por mais triste que seja, a minha memória mais inesquecível foi a que fez eu desistir do jogo em 2014," relembrou Marques. "O meu desejo no início - quando nem existiam as Raids ainda - era simplesmente conseguir um item lendário. Passei dezenas de horas fazendo strikes para, quem sabe, algo aparecer e finalmente compensar o tempo absurdo que eu estava gastando naquele grind sem fim. Então chegou o dia, estava na lua matando o boss do strike e ele soltou um engrama lendário. Um engrama lendário!"

Infelizmente, o que devia ser seu momento de glória foi, na verdade, o momento onde tudo se arruinou. "Finalmente eu ia conseguir justificar o tempo descomunal que gastei no jogo, tudo aquilo serviu pra algo! Até que eu fui no NPC que transformava o engrama lendário em um item e...  era um item de Hunter. Eu era um Titan," explicou. O erro na classe significava que o item não servia para nada. "Nesse momento o sistema do jogo ficou claro pra mim, ele queria que eu não parasse de jogar absolutamente nunca e eu não ia cair na dele. Fiquei chateado e rompi o relacionamento."

Marques passou um longo tempo longe de Destiny. Ele até ficou de fora da expansão O Rei dos Possuídos, que foi um re-começo para o jogo, e trouxe diversos corações partidos de volta. Só ano passado, essa história mudou.

Destiny

"Depois de ter parado de jogar em 2014, eu me afastei bastante do jogo e da sua comunidade, mesmo ainda sentindo uma coceira para voltar. Só em 2016 com o Rise of Iron e o pacote com desconto de literalmente tudo que já havia sido lançado, pensei em dar outra chance." Marques então gastou dinheiro no jogo novamente, adquiriu a edição completa com todos os DLCs, e o mais importante: encontrou o grupo certo de pessoas para jogar.

"O que me ajudou muito foi combinar com amigos que nunca tinham jogado Destiny. Seriamos um grupinho de três Guardiões aproveitando todo o conteúdo do zero e jogando absolutamente tudo. Nunca faz mal ter algo cooperativo para jogar, não é? "

"Relembrar de como o gameplay era bom, aproveitar do loot mais balanceado e explorar as novas áreas foi uma diversão deliciosa," ele contou, lembrando como foi o seu retorno. "Investi muito tempo no jogo para chegar quase que no 390 de luz e estou animado com esse novo update gratuito que a Bungie vai liberar. Fiquei realmente triste depois de ter terminado quase tudo que o jogo oferecia, queria muito ter jogado pouco a pouco e sentir a emoção de descobrir novos itens e áreas quando um novo update saísse, igual alguns colegas meus sentiram. Espero fazer isso com Destiny 2, acompanhar de perto toda nova informação e realmente cair de cabeça nesse universo que mexe tanto comigo."

O fim e o futuro

Como todos esses depoimentos mostram, Destiny mudou muito. Poucos games da geração atual passaram por tantas fases quanto o polêmico FPS da Bungie. Dos dias iniciais, passando pelo ressurgimento que veio com O Rei dos Possuídos até chegar na era final, depois de Rise of Iron, os Guardiões que se aventuraram pelos planetas do jogo encontraram encontraram inúmeros altos e baixos. Como, então, eles avaliam o jogo agora, em seus últimos dias?

"Olhando para o passado, quando o jogo tinha sido lançado, o conteúdo, mesmo sendo cativante, era pouco em comparação ao que existe atualmente, o que fez uma parte da comunidade o abandonar por um tempo. Sinto que Destiny evoluiu muito desde seu lançamento, dando mais opções de atividades que agradassem a todos os tipos de jogadores e ouvindo críticas da comunidade para sempre poder melhorar. Por isso posso dizer que gostei muito da evolução e do ponto final em que o jogo chegou," concluiu Hugo.

"Quando no início eles não queriam de forma alguma que você parasse de jogar, hoje a Bungie entende que os jogadores vão parar de jogar... Porém com um sorriso no rosto," admite Marques. Eles aprenderam a lição, só que infelizmente a estrutura que o Destiny de 2014 montou impedia muitas melhorias internas, coisa que limitou bastante o que eles podiam fazer com a franquia."

Agora, a expectativa para Destiny 2, que ainda não tem um título oficial, começou. Pouco sabemos sobre o jogo, mas a Bungie confirmou que nenhum item ou arma do primeiro Destiny será transportado para a continuação. Essa decisão foi polêmica entre os jogadores, mas a maioria, apesar de triste, acha que é o caminho certo a seguir.

Destiny

"Mesmo tendo muito apego aos personagens que criei em Destiny, acho que essa decisão é correta e necessária para que o jogo possa seguir em frente e evoluir tanto em fatores de jogabilidade quanto em fatores de história," falou Hugo. Apesar da mente tranquila, ele admite ter sentimentos negativos por conta disso. "Ainda sim, sinto um pouco de receio de deixar a maior parte de minhas conquistas para trás," admitiu.

"É estranho não trazer praticamente nada do jogo anterior, mas acho que é para o melhor," concorda Funky. "Saber que todos vão começar do zero com as mesmas capacidades e limitações dá um ânimo para jogar. Não tenho certeza se vou jogar com frequência, mas certamente vou dar uma boa conferida."

Vitor é o mais otimista do grupo. A ideia de voltar à estaca zero é, para ele, mais empolgante do que preocupante. "Eu prefiro começar desde o começo num sistema novo e melhor que tentar fazer o atual se encaixar com o que está por vir, afinal sinto um pouco de falta de subir níveis novamente e de coletar loot melhor e mais forte pro meu personagem então começar do zero me soa extremamente atrativo," comentou o editor. O otimismo é compartilhado por Marques:

"Sinceramente, eu fico feliz que a Bungie teve coragem para tomar um decisão tão radical. Fico feliz de eles teoricamente estarem mudando tanto o jogo. Destiny é ótimo, porém tem falhas graves," reconhece o jogador. "Eles estarem caminhando para algo realmente diferente me deixa bastante agradecido. Essa franquia merece." Como alguém que tem tanto apreço pelo que a Bugnie criou, Marques está pronto para investir mais horas em um novo Destiny.

"Quero um mundo onde eu possa passar algumas horas por semana, durante anos," ele nos disse, quando questionado sobre o que quer em Destiny 2. "Eu já joguei muitos MMORPGs na minha vida, mas nunca mais algum conseguiu me prender. Destiny é o único mundo no qual eu gostaria de sempre voltar para checar novidades e, claro, me divertir com aquele gameplay fantástico." Hug New também deixa claro o desejo de afundar em um mundo diferente.

"Quero muito que Destiny 2 seja algo novo para ser explorado, mas que mantenha uma parte de sua essência antiga, como a história e alguns easter eggs, mas, acima de tudo, quero ter a mesma sensação de quando joguei Destiny pela primeira vez, a de entrar em um mundo novo, e trilhar meu caminho para descobrir seus segredos."

Este novo mundo está chegando este ano, e os Guardiões agora o esperam ansiosamente.