Filmes

Entrevista

Selecionado para o Festival de Roterdã, o baiano Café com Canela abre neste sexta a Mostra de Tiradentes

Evento mineiro, com 102 filmes, presta tributo ao ator Babu Santana e abre novos caminhos para o cinema das Gerais

19.01.2018, às 19H59.
Atualizada em 25.01.2018, ÀS 07H03

Incluído no bonde de 12 longas-metragens brasileiros que tentaram a sorte no Festival de Roterdã, de 24 de janeiro a 4 de fevereiro na Holanda, a produção baiana Café Com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, tem esta noite um compromisso com as Minas Gerais, na tarefa de abrir a edição nº 21 da Mostra de Tiradentes.

Considerado o abre-alas do circuito de festivais brasileiros, o evento projeta o filme às 21h desta sexta-feira no rol das homenagens ao ator carioca Babu Santana, parte de seu elenco. Astro principal de longas como Tim Maia (2014) e Mundo Cão (2015), Babu ganha um tributo de Tiradentes pelo conjunto de uma carreira que tornou-se símbolo da inclusão racial no país. A questão negra também transborda no filme de Glenda e Rosa, a partir de um enredo calcado no encontro entre duas mulheres repletas de angústia.

Organizada sob a curadoria de Cléber Eduardo e Lila Foster, a Mostra de Tiradentes segue até 27 de janeiro, com 102 produções em seu cardápio, das quais sete, dirigidas por jovens realizadores, estão em concurso na seção Aurora. Nela concorrem: Ara Pyau – A Primavera Guarani (SP), de Carlos Eduardo Magalhães; Imo (MG), de Bruna Scheld Corrêa; Dias Vazios (GO), de Robney Bruno Almeida; Baixo Centro (MG), de Ewerton Belico e Samuel Marotta; Rebento (PB), de André Morais; Lembro Mais Dos Corvos (SP), de Gustavo Vinagre; e Madrigal Para Um Poeta Vivo (SP), de Adriana Barbosa e Bruno Mello Castanho. Nas programações paralelas à competição estão títulos como Bandeira de Retalhos, de Sérgio Ricardo; Arábia, de Affonso Uchôa e João Dumans; Era Uma Vez Brasília, de Adirley Queirós; e A Moça do Calendário, de Helena Ignez, que encerra o festival mineiro. 

Na entrevista a seguir, Cléber Eduardo faz um balanço das discussões estéticas que Tiradentes promete abrir este ano.

Omelete: Que linha estética é possível apontar entre os filmes que compõem esta edição nas múltiplas seções da Mostra?

Cléber Eduardo: Percebo duas inclinações. Uma valoriza procedimentos de aproximação com as vidas pessoais, sociais e históricas dos personagens reais ou fictícios. Dialogam mais diretamente, de diferentes modos e distintos propósitos, com a temática do Chamado Realista. São documentários observacionais, filmes à base de arquivos, ficções na fronteira com o documental e vice versa, propostas naturalistas com intérpretes profissionais ou não, filmes dentro da tradição dos gêneros cinematográficos em diálogo com o comentário político. Uma outra inclinação é mais voltada para a experimentação formal e narrativa sem acesso tão direto com aspectos da vida contemporânea ou histórica. Há ainda os filmes que fundem as duas inclinações. O que parece ser mais recorrente em quaisquer dos casos é a figura do artista, homens sempre situados na margem, no anonimato ou na decadência, mas ainda convictos em seus nortes existenciais e no modo com o qual ocupam suas vidas. Há mitos malditos, célebres sumidos, jovens com sonhos de arte, artista educador e dançarino proletário. Ainda não sei se isso significa algo, se é positivo ou o contrário.

Omelete: Nos últimos anos, Tiradentes teve um trabalho essencial na consolidação de um novo cinema mineiro, que vem ganhando a Europa a partir de festivais como Cannes e Roterdã. O que podemos esperar de surpresa de MG este ano e como você avalia a atual situação estética das Gerais nas telas?

Cléber Eduardo: Minas tem se destacado no segmento autoral da geração iniciada no longa nos últimos dez anos não em quantidade absoluta, mas em força expressiva, no mesmo patamar do cinema feito em Pernambuco neste período, e mais do que o cinema dessa geração em São Paulo e do Rio entre 2007 e 2018. São diferentes propostas, mas, contrariando a possível herança formalista mineira dos primeiros filmes da produtora Teia, no início dos 2000, os filmes destes últimos dez anos buscam efeitos de autenticidade, de marcas da vida e dos espaços, em suas proposições e em suas performances formais.  Há este ano o Arábia, de Afonso Uchoa e Joao Dumas, o Navio de Terra, da Simone Cortesão, e o Imo, de uma estreante residente em Juiz de Fora. São filmes muito diferentes e unidos em suas fugas de facilidades e convenções. Ha ainda o episódio de Gabriel Martins em O Nó do Diabo. Eu, pessoalmente, acho Afonso Uchoa e André Novaes, de Arábia, dois dos maiores diretores em inicio de filmografia de longa não apenas no Brasil. E acho a Juliana Antunes, de Baronesa, um dínamo da criação cinematográfica em estado de nascimento sólido.

Omelete: O que representa essa homenagem a Babu Santana dentro da discussão atual da representação negra nas telas?

Cléber Eduardo: Babu tem tudo a ver com o conceito da Mostra. Tem sido chamado pelo coeficiente de autenticidade necessário a alguns personagens, mas, quase sempre, para um certo tipo de papel, atrelado a meios sociais abaixo da classe média e à violência. Café com Canela quebra com essa diretriz ao colocá-lo em um personagem mais ameno e de maior importância.

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