Filmes

Entrevista

"Não me guio por intrigas, mas pelo clima de provocação", diz o favorito Michael Haneke no Festival de Cannes

Diretor pode fazer história ao conquistar sua terceira Palma de Ouro

22.05.2017, às 09H25.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Mestre em construir tensão ao retratar as moléstias morais da Europa, Michael Haneke pode sair do 70º Festival de Cannes com um recorde: a julgar pela boa recepção a seu Happy End, o cineasta austríaco pode ser o primeiro diretor na história a ganhar três Palmas de Ouro. Ele, que conquistou o troféu antes em 2009 com A Fita Branca e em 2012 com Amor, tem fortes chances de ganhar de novo com seu trabalho mais recente, que sufocou a Croisette ao usar a aristocrática família francesa, os Laurent, como símbolo das patologias europeias.

"Refleti sobre formas de fazer chegar à cabeça e ao coração da plateia questões sobre imigração e sobre a situação dos refugiados que não saberia como explicar em palavras. Na reflexão cheguei a este filme, que é fruto da troca entre meus parceiros, de elenco e técnica", diz Haneke, evitando respostas que definam sua análise (nilista) do mundo. "Não penso meu trabalho de maneira analítica. Eu vivo a vida com olhos abertos e isso me faz perceber questões do nosso tempo. Famílias como a Laurent estão por aí".
 
Em Happy End, a lenda viva do cinema francês, Jean-Louis Trintignant, é Georges, o patriarca de um clã que tem Isabelle Huppert e Mathieu Kassovitz entre seus parentes. Com uma direção cirúrgica, pautada por um clima de tensão crescente, Haneke cria no filme a crônica da atomização da burguesia europeia, a partir de uma família de alta classe média em erosão afetiva e financeira, entre tragédias e processos judiciais. "Este é um filme sobre autismos", diz Haneke. "Temos informação demais e isso nubla nosso senso do Real".
 
Já no início do filme, brota uma sequência sombria: uma menina filma num i-Phone um jogo cruel com um hamster alimentado com comprimidos de dormir. É uma metáfora para a opressão dos pobres, que parte de um clã com a própria morte anunciada. "Nos últimos 20 anos, o mundo mudou e a mídia traduziu essas mudanças em distintos suportes e hábitos, como vemos nas redes sociais. E um dos temas do filme são as transformações", explica Haneke. "Cada roteiro meu segue um sistema narrativo diferente. Mas há uma questão em comum: não me guio por intrigas, mas pelo clima de provocação em que posso envolver o espectador".
 
Ganhadora do Globo de Ouro de melhor atriz dramática do ano por Elle, pelo qual também foi indicada ao Oscar, Isabelle Huppert vive em Happy End a filha de Georges, responsável por limpar as sujeiras em torno da família. Ela fez com Haneke cults como A Professora de Piano (2001) e presidiu o júri de Cannes pelo qual ele foi premiado com A Fita Branca. "Precisão é a palavra que define Haneke, porque é dela que vem nossa liberdade", diz a atriz. "Ele tem um controle pleno do quadro".
 
Além de Happy End, dois filmes carregam uma aura de favoritismo em Cannes: o francês 120 Batimentos Por Minuto, de Robin Pompillo, sobre o ativismo em prol dos soropositivos, e a o sueco The Square, de Ruben Ostlúnd, sobre o mundo das artes plásticas.
 

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