Filmes

Entrevista

Elle | "Este filme é um trabalho de observação da normalidade", diz Paul Verhoeven

Filme chega aos cinemas brasileiros esta semana

16.11.2016, às 16H27.
Atualizada em 16.11.2016, ÀS 17H00

Visto por cerca de meio milhão de pagantes em solo francês já em seus primeiros 20 dias em cartaz, o suspense Elle, que devolveu ao septuagenário diretor holandês Paul Verhoeven (de Instinto Selvagem) à consagração mundial após quase quinze anos longe do sucesso, enfim chega ao circuito brasileiro, entrando em cartaz nesta quinta (17). Escolhido para representar a França na briga por uma vaga na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro de 2016, este thriller chegou aos EUA na semana passada cercado de elogios e de um burburinho acerca de uma possível indicação de Isabelle Huppert, sua protagonista, à estatueta de melhor atriz dada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

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De uma abordagem explosiva sobre a saúde existencial de uma mulher, provocativa para estes tempos marcados por fortes pleitos feministas, a produção acompanha o quanto a empresária da indústria de games Michèle Leblanc (Huppert) se aprofunda em seu lado mais sombrio após sofrer um abuso sexual. A invasão de seu lar por um suposto ladrão, que a violenta, parece algo superado por ela, até que ela começa a se armar de cutelos e aparelho de choque, sem que isso altere seu dia a dia com os funcionários, o filho e o amante.

Revelação do Novo Cinema Holandês dos anos 1970, Verhoeven foi importado por Hollywood na década de 1980, quando rodou sucessos como RoboCop: O Policial do Futuro (1987) e O Vingador do Futuro (1990). Mas sua carreira na América degringolou com o fracasso de Showgirls (1995). Na entrevista a seguir, concedida ao Omelete no Festival de Cannes, onde o longa disputou a Palma de Ouro e saiu coroado de resenhas apaixonadas, Verhoeven explica a dimensão simbólica de Elle. E fala de como transgredir é um princípio de reinvenção na Arte. 

Omelete: Que mulher é Michèle Leblanc, a protagonista de Elle: uma empresária da indústria de games, que, ao sofrer uma violência sexual, mergulha no lado mais soturno de sua alma?

Verhoeven: Este filme nasceu de um romance que não caberia jamais na embocadura do cinema americano ao retratar uma mulher que não sabe bem o que é nem o que é, mas tira força desse processo de autodescoberta. Ele nasceu de um romance francês, de Philippe Djian e necessitava do francês para ganhar as telas em toda a sua potência, com uma intérprete que pudesse dominar essa língua com o grau preciso de ironia, como é Isabelle Huppert. Não é um filme que se estrutura em qualquer base psicanalítica freudiana, nem é um tratado sobre a condição feminina. É apenas um trabalho de observação da normalidade: a percepção dos turbilhões que se passam com uma pessoa real, adulta. E a dramaturgia do real comporta suspense, humor e até fantasia, tudo o que aquilo que eu perseguia em meus filmes feitos em Hollywood.

Omelete: O que ficou de sua fase hollywoodiana em sua maneira de filmar?

Verhoeven: A lógica de filmagem de Elle, rodado em Paris, em francês, é um híbrido do que eu fazia em Hollywood com o que fiz na minha volta ao meu cinema natal, lá na Holanda, em A Espiã, há dez anos: trabalhei com todo o rigor de um filme de estúdio, mas com a liberdade inventiva de uma produção autoral europeia. Chamei o fotógrafo que eu queria, o francês Stéphane Fontaine, escolhido em função dos filmes de Jacques Audiard no qual ele estabeleceu o padrão de luz, como Ferrugem e Osso. Usei duas câmeras, para aproveitar ao máximo as reações de Isabelle, mas deixei ambas soltas, sem uma posição fixa no set, para que pudessem seguir as reações da personagem e desenhar o filme na busca pela verdade de Michèle. 

Omelete: Qual é a sua relação com videgames, já que o senhor usa a linguagem dos jogos virtuais em várias sequências, ao mostrar os produtos que a personagem de Isabelle cria?  

Verhoeven: Usei muito da lógica de batalha dos games em Tropas Estelares, numa certa representação do tiro ao alvo, da jogabilidade em primeira pessoa. Quando fui adaptar o livro Elle, achei que a personagem principal precisava de um trabalho ligado ao audiovisual mais físico, que canalizasse sua violência interna. Foi aí que, num papo com meus parentes mais jovens, surgiu a sugestão de que eu fizesse um game. E, a partir desse ambiente virtual, a brutalidade de Michèle implode.  

Omelete: Como ficou o seu projeto de filmar Jesus, o Homem, sobre a vida de Cristo?

Verhoeven: Segue difícil, porque os tabus do mundo não arrefeceram. E eu não sou um cristão. Além de tudo, eu não sou alguém que acredita em redenção, menos ainda na redenção cristã. Os pecados de ontem são os mesmos de hoje. Eu faço hoje as mesmas coisas que desagradavam meus amigos quando eu era mais moço. 

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