Eternizado no imaginário popular brasileiro por tipos como Sinhozinho Malta ou Sassá Mutema, o mineiro Lima Duarte, aos 87 anos, volta às telas neste final de semana no longa-metragem Deserto. Ele vive o severo Dom Aleixo, numa atuação que anda comovendo críticos e espectadores no circuito nacional dos filmes de invenção.
Sua presença em tela é curta, mas o monólogo que faz sobre o lugar da Arte numa sociedade sintetiza toda a reflexão sobre resistência, perseverança e fantasia dessa produção dirigida pelo também ator Guilherme Weber.
Na trama, uma trupe de artistas de circo-teatro percorrem um sertão nunca identificado, atrás de água, comida e teto, até que encontram uma cidade abandonada. Lá, eles vão fundar uma nação.
Na entrevista exclusiva a seguir, Lima aponta ao Omelete semelhanças entre ficção e realidade.
Omelete: Que mundo ou que Brasil a gente encontra em Deserto?
Lima Duarte: Guilherme Weber resolveu estrear como cineasta fazendo uma parábola sobre uma nação que é construída por artistas. Mas, no fundo, Deserto é uma ode ao ser humano. É bonito ver como os personagens apostam num mundo ideal. E é uma aposta que se dá por um sorteio de papéis sociais: uma será a médica, outra será a caçadora e, por aí vai. Mas a discussão central ali é: qual é a posição do artista numa sociedade ideal?
Omelete: Como o senhor avalia o desempenho de Guilherme Weber na estreia dele como diretor?
Lima Duarte: Começar na direção por um filme como esse, uma parábola, é um gesto de muita coragem. Weber é um ator muito bom e um grande colega. Mostrou que é também corajoso, afinal, fez um poema visual com pedra, poeira, nuvens e os olhares de nós, atores, sobre a realidade. Existe uma reflexão bonita em Deserto sobre a necessidade de se construir algo a partir dos escombros, o que tem muito a ver com o Brasil de hoje. A trupe de artistas do filme diz: “Vamos reformar, vamos gritar, vamos erguer um país do zero. E se tivermos que comer carne de urubu para isso, que ela seja cozida de um jeito que pareça apetitosa”. É bonito ver um jovem artista pregar isso.
Omelete: Seu primeiro filme, Quase no Céu, de Oduvaldo Vianna, é de 1949. São 68 anos de cinema, com direito a obras-primas como Sargento Getúlio (1983) e Guerra Conjugal (1974) em seu currículo. Depois de tanto tempo, o senhor ainda encara a produção cinematográfica nacional com entusiasmo?
Lima Duarte: O que temos hoje no Brasil é um cinema em busca de si mesmo: de um lado, há filmes mais populares, feitos pra grandes plateias, como Policia Federal: A Lei É Para Todos; do outro, há pequenas produções como Deserto, buscando espaço, com um olhar mais radical. Mas, em todos eles, cada um à sua maneira, há uma procura por conteúdo, uma procura pela Beleza. E há um aumento claro de qualidade. Eu me vejo, nesse cenário, como um cara que procura acertar, alguém que tenta fazer de seus papéis grandes personagens. O que me resta no meu ofício é buscar a Beleza.
Omelete: Escalado como par de Fernanda Montenegro na próxima novela das 21h da TV Globo, O Outro Lado do Paraíso de Walcyr Carrasco, o senhor tem mais filmes inéditos para lançar este ano?
Lima Duarte: Terminei faz pouco tempo um filme novo do Andrucha Waddington que tem um roteiro tinindo de bom, O Juízo. É uma coisa sobrenatural, rodado em Barra do Piraí, que evoca o terror a partir de nossos dogmas. Agora, sobre a novela, que beleza vai ser poder contracenar com a Fernandona agora. Nós dois com mais de 80, juntos, num projeto de peso do Walcyr... é uma bela experiência.
Omelete: Seu otimismo acerca do futuro político do país é similar ao seu otimismo sobre nosso cinema? Como o senhor vê a realidade política do Brasil hoje?
Lima Duarte: Tudo é matéria para bom cinema. Afinal, o que mais tem por aí são situações inusitadas à espera de um bom cineasta que eternize este nosso momento. Mas existe a esperança. E eu acredito nela.