Filmes

Entrevista

120 Batimentos por Minuto | "Não se perde a memória da luta contra a Aids", diz diretor

Robin Campillo recria a briga contra o HIV na França dos anos 1990

03.01.2018, às 15H03.
Atualizada em 06.01.2018, ÀS 06H14

Marcado por comoções públicas em suas projeções desde a primeira exibição pública, no Festival de Cannes, de onde saiu com o Grande Prêmio do Júri e Prêmio da Crítica, 120 Batimentos Por Minuto enfim estreia no Brasil, revelando aos espectadores nacionais uma luta real vivida pelo diretor Robin Campillo.

Nos anos 1990, ele integrou a célula ativista AIDS Coalition to Unleash Power (ACT UP), criada por uma entidade em 1987, em prol da guerra contra o HIV. Foram eles que lutaram pela democratização do acesso aos coquetéis que hoje asseguram a longevidade aos soropositivos. Mas vitórias como essa tardaram a chegar, gerando um rol de mortos, entre os quais estavam grandes amigos desse realizador, conhecido pelo filme de zumbi Les Revenants (2004) e da premiada love story gay Meninos do Oriente (2013).

Depois de Cannes, Campillo virou celebridade no Velho Mundo por conta da adesão da imprensa e de ONGs a seu tocante longa-metragem que, em tom de piquete, recria a batalha do ACT UP, tendo nos bastidores um romance entre dois jovens integrantes do grupo. Visto por cerca de 650 mil pagantes no circuito de seu país em menos de um mês em cartaz na Europa, o longa ganhou 19 prêmios internacionalmente.

Na entrevista a seguir, Campillo explica sua narrativa feérica, que redesenha a Paris da década de 1990 com uma câmera nervosa.

Omelete: O quanto a herança de batalhas do ACT UP sobrevive em meio ao clima conservador dos novos tempos?

Robin Campillo: Houve um protesto recente na França, por parte de entidades menos liberais da Igreja, condenando o uso de preservativos e a representação das culturas LGBT. Existe ainda uma França reacionária, a mesma que alimenta a xenofonia, o ódio ao Islã, o atraso em relação à identidade transsexual. Mas o espírito reacionário passa por toda a nossa História e esbarra nas renovações de pensamento que as diferentes formas de mídia trouxeram, entre elas as mídias sociais. De uma certa forma, o ACT UP foi uma mídia social de um tempo anterior à internet, em que ações públicas eram um meio de mobilizar a opinião da sociedade. Este filme que fiz sobre o ACT UP vai além de um tributo a essas lutas, pois ele passa pela minha própria memória: logo, expõe as falhas e as incertezas da minha lembrança. Este filme é um painel de contradições que lutaram não diretamente contra a AIDS, mas sim contra a moral... a moral sectária que circundava a doença. Pessoas morreram. Muitas. Isso é o que me importa.

A narrativa corre com um hiperrealismo quase documental, depois vira um manifesto tenso, em forma de piquete e se converte em uma história de amor. Como foi construir esse relato?

Trabalhei em projetos do meu amigo Laurent Cantet, para quem eu roteirizei A Trama e Entre os Muros da Escola. São filmes sobre pessoas muito jovens, rodados numa estética que flerta com o documental ao fazer da observação sua lógica de trabalha. A gente observava o comportamento das garotas e dos garotos, o modo de falar deles, o ethos deles em turma... Daí a gente ia esboçando diálogos e edificando uma estrutura narrativa que era dada por eles mesmo. Eu apliquei essa dinâmica em 120 Batimentos, trabalhando com atores de perfis e origens bem diferentes, observando a interação entre eles, sem intervenção prévia. Isso deu ao meu filme uma leveza, uma fluidez. O filme muda, entre extremos de denúncia e de romance, porque os corpos mudam, num indício de que estão vivos e em constante embate com a natureza, e as forças que a alimentam, inclusive a ficção. As pessoas que estão em cena, unidas por uma causa, circulam por ambientes muito diferentes, sejam clubes, sejam passeatas, sejam locais onde protestam, numa contínua metamorfose. Mas a essência delas não se perde. E não se perde a memória do que se viveu na batalha contra a Aids.

Como o cinema europeu dos anos 1990 retratava a Aids?

Poucos filmes, muitos estereótipos. O que mudou na França dos anos 1990 foi a chegada de um filme como Filadélfia, com Tom Hanks. Ele foi importante para que entendêssemos a presença da Aids entre nós. Era um filme com grandes estrelas, o que atraía o público. Agora, o tempo passou… Precisamos de ação, inclusive em nossas narrativas.

Omelete: Essa necessidade de ação dá a 120 Batimentos por Minuto um tom didático?

Não reconheço essa natureza didática porque eu não busco ensinar nada, apostando mais na dialética do que na retórica. Eu apenas tentei ser o mais honesto possível com as ações que o ACT UP, do qual fiz parte, realizou em um momento de absoluto obscurantismo mesmo entre os gays. Quis mostrar a força das mulheres que se uniram à célula organizando nossas ações, comandando o grupo. Nós cometemos erros em nosso ativismo, em nossa visão fechada a contrastes, em paixões que foram vividas como um analgésico do medo. E estes erros estão no filme.

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