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Crítica

Castelo de Areia | Crítica

Ainda que falte clareza no processo, filme se despe dos filtros que glamourizam guerras para contar história

22.04.2017, às 22H42.
Atualizada em 24.04.2017, ÀS 03H28

Paradoxalmente, um filme que leva o nome de Castelo de Areia é um marco de solidez na carreira de Fernando Coimbra. Não por ser - nem de longe - o melhor trabalho do diretor responsável pela obra-prima O Lobo Atrás da Porta, mas pelo motivo de que sua nova produção é o primeiro longametragem da Netflix dirigido por um brasileiro. Coprodução entre EUA e Inglaterra, o filme traz Nicholas Hoult (X-Men), Henry Cavill (Batman vs Superman) e Glen Powell (Estrelas Além Do Tempo) para um drama de guerra. O enredo gira em torno de um grupo de soldados norte-americanos no Iraque que são destacados para resolver um problema aparentemente simples no abastecimento de água na vila Baquda, comprometido por explosões. Chegando lá, precisam lidar com a complexidade de lidar com relações humanas fragilizadas em função do conflito.

O mais interessante do filme é que, durante boa parte da trama, ele rompe com a expectativa tradicional por uma narrativa cinematográfica pasteurizada, que traga moral da história ou uma grande revelação pontual na vida do protagonista. O filme não pega atalhos na missão de ser educativo, ainda que, explorando a realidade, acabe sendo. Tanto a forma como a trama se desenrola quanto a escolha pela utilização de determinadas técnicas de filmagem fazem com que, em um momento ou outro, o espectador esqueça estar assistindo uma obra ficcional e mergulhe em uma produção que beira o documental. O que não é de se estranhar, visto que a história é inspirada no conjunto de experiências de guerra vividas pelo roteirista Chris Roessner, que atuou no Triângulo Sunita do Iraque.

Nicholas Hoult está ótimo no papel de um soldado que se viu, por pressões sociais e econômicas, empurrado para o exército americano, mas que não se identifica com o conflito. Matt Ocre, seu personagem, é praticamente a contraparte de Henry Cavill no longa - enquanto o segundo é uma versão humana de um boneco Comandos em Ação, Ocre é um rapaz absolutamente normal, humanizado, que sente a tensão psicológica da guerra na pele. Ao contrário da visão romantizada de guerra comum na cultura norte-americana, Ocre sente medo e, ainda que não fale, é incapaz de não externalizar isso o tempo todo. Contudo, parece que falta algo que conecte sua primeira (ótima) cena, quando ele quebra a própria mão, e sua despedida do filme. Ainda que suas experiências traumáticas justifiquem o desejo que ele passa a nutrir por fazer parte da busca por uma resolução do conflito em Baquba, a ingenuidade inabalável que o impede de entender que ninguém ali está buscando solução acaba sendo frustrante para quem assiste.

Possivelmente, o principal problema do filme é deixar coisas demais nas entrelinhas sem dar recursos para que o espectador morda a isca para chegar até elas. O longa lida com questões como batalhas que já começam perdidas e fala sobre como o imaginário coletivo é construído com base em interesses que vem de cima e que fazem com que pessoas não percebam que estão sendo usadas de formas descartáveis - o diálogo entre Ocre e o engenheiro iraquiano, em que o estrangeiro que vem da terra da democracia e da liberdade não teve direito a serviços básicos, como educação, enquanto o iraquiano os teve de graça é o melhor do longa. A contradição é que um filme que desenha a guerra como uma estrutura opressora e que critica o fato dela ser vendida com a ilusão de motivações heróicas também pode ser lido facilmente como o caminho trilhado por um jovem covarde até que ele consiga ter orgulho de lutar.

Castelo de Areia é um filme que toma para si uma temática muito ampla e a envolve em uma embalagem minimalista. O longa lembra uma dinamite: parece algo ordinário e simples quando se observa a estrutura externa, mas, por dentro há um gigantesco potencial explosivo. Nesse caso, a coisa vai muito bem até o espectador se dar conta de que esqueceram de colocar o pavio. Castelo de Areia tem uma boa história e um pano de fundo rico em complexidade, mas não é o melhor trabalho de Fernando Coimbra por, tal qual o protagonista da trama, se perder no deserto que trilha para alcançar seu objetivo.

Nota do Crítico
Bom
Castelo de Areia
Sand Castle
Castelo de Areia
Sand Castle

Ano: 2017

País: Reino Unido

Direção: Fernando Coimbra

Elenco: Henry Cavill, Glen Powell, Nicholas Hoult, Logan Marshall-Green

Onde assistir:
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