Evidências do Amor ocupa um lugar curioso no panteão dos filmes inspirados em canções. Embora o subgênero tenha se mostrado surpreendentemente popular no cinema brasileiro recente, tendo em vista Faroeste Caboclo e Eduardo e Mônica, a comédia romântica baseada na canção eternizada pela dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó tinha o desafio de extrapolar versos que, apesar de icônicos, não ofereciam muito em sentido narrativo. A saída encontrada pelo diretor e corroteirista Pedro Antonio (Tô Ryca! 2), então, de certa forma audaciosa, é ignorar o conteúdo da letra e tratá-la antes de mais nada como um fenômeno que de certa forma prescinde da própria canção.
E não é que ele conseguiu? Em Evidências do Amor, Laura (Sandy Leah) termina um namoro de anos com Marco Antônio (Fábio Porchat), deixando o desenvolvedor de aplicativos arrasado e sem saber o motivo da ruptura. Um tempo depois, no entanto, ele começa a viver um fenômeno curioso: toda vez que ouve a canção “Evidências”, que teve papel importante na noite em que o casal se conheceu num karaokê, sua consciência é transportada para o passado e ele revive uma memória ruim do namoro, obrigando-o a reconsiderar se a relação era mesmo tão utópica quanto ele imaginava, e se ele deveria mesmo ter ficado tão surpreso com o término.
A premissa abre espaço para o roteiro brincar com a ubiquidade de “Evidências” na rotina brasileira, com o exagero permissivo das comédias escrachadas, mas também permite que Antonio e seus corroteiristas (Alvaro Campos e Luanna Guimarães, ambos ex-colaboradores do cineasta) tratem a canção exclusivamente assim, como fenômeno cultural. A tomada de consciência de Marco sobre as rachaduras que sempre estiveram ali, mal disfarçadas pelo apego óbvio que o casal tinha um pelo outro, não tem nada a ver com a história cantada por Chitãozinho & Xororó - mas composta por José Augusto e Paulo Sérgio Valle, como o filme nos lembra algumas vezes.
Como fica ainda mais claro com uma reviravolta lá no terceiro ato, a intenção narrativa de Evidências do Amor é muito mais montar uma história clássica de crescimento mútuo através do afeto do que dramatizar as palavras não ditas e contradições escondidas de “Evidências”. E pode ser que a trama em si não se conecte muito bem com o tributo à canção, pela qual o filme aposta que o espectador nutre grande carinho - assim como talvez o tecido conectivo dos momentos cômicos mais rasgados com os toques de sinceridade entre o casal e suas famílias não esteja ali. Mas, no fim das coisas, a junção de todas essas coisas feitas de forma eminentemente competente não é desagradável.
De suas partes, Porchat e Sandy fazem o melhor que podem para vender seus personagens como figuras pelas quais vale a pena torcer. O ator, sempre adepto a modular as neuroses do seu ato cômico para se posicionar como o “sujeito comum”, com uma pitada de humor físico e um pouco mais do que uma pitada de transparência emocional, serve também como baliza para a aura de superestrela de Sandy. De certa forma, ela tem mais a provar do que ele - a sua escalação aqui é muito mais um truque de marketing, a partir do seu parentesco com o hit sertanejo, do que qualquer outra coisa. Se o desafio era entregar uma performance que servisse à história e fizesse esquecer o truque, no entanto, Sandy pode se considerar bem-sucedida.
E talvez essa seja mesmo a medida geral do sucesso de Evidências do Amor, como comédia romântica. Como os próprios protagonistas constatam durante a trama, “Evidências”, a canção, é uma sombra gigantesca, quase inescapável, no campo da cultura pop nacional. O filme e sua história de amor serem capazes de se justificarem para além dessa sombra já é uma vitória que parecia improvável.
Ano: 2024
País: Brasil
Duração: 105 min
Direção: Pedro Antônio
Roteiro: Pedro Antônio, Alvaro Campos, Luanna Guimarães
Elenco: Sandy Leah, Fábio Porchat, Evelyn Castro