Colunistas

Artigo

Sala dos Roteiristas | O novo Caça-Fantasmas

Só pela existência desse filme o trailer já merece um milhão de curtidas

19.05.2016, às 22H41.

Precisamos falar sobre o primeiro trailer do novo Caça-Fantasmas. "Como assim?", talvez você diga, "o trailer esgotou a internet há semanas, o próprio Omelete já dedicou uma live inteira sobre o assunto, esse papinho já deu". E é exatamente para não deixar isso virar apenas um "papinho" que eu friso: precisamos falar sobre o trailer do novo Caça-Fantasmas. E precisamos dizer, em alto e bom som, que existe apenas uma razão para ele ter sido tão odiado assim: o bom e velho machismo.

None

Alguém pode argumentar que não é bem assim, afinal pelo trailer o filme parece um pouco preguiçoso, as piadas não funcionam muito bem, as referências ao original mais enganam que emplacam e se é para refazer algo tão importante que se refaça direito. Podem afirmar também que, em pleno 2016, não deveriam ter mantido um personagem negro como o único não-cientista da trupe (o que de fato é meio inadmissível). Eu aceito todas essas justificativas e até acho que o trailer pode não ser lá grandes coisas mesmo, ainda que eu tenha rido em voz alta mais de uma vez.

Mas eis o que não aceito: esse mesmo trailer teve uma proporção entre curtidas e descurtidas pior do que Deuses do Egito, do que Batman Vs Superman: A Origem da Justiça, do que o Quarteto Fantástico, que antes mesmo de ser lançado o diretor brigou com a produção e passou a falar que era o pior filme de todos os tempos (e era). Vou além, foi pior do que os reboots de Férias Frustradas e Caçadores de Emoção, basicamente uns fracassos absolutos desde o momento em que foram anunciados. E para ser pior que isso tudo junto, ó, o leitor vai precisar de muito malabarismo retórico para arranjar um motivo diverso do inevitável machismo.

Só para que eu não me esqueça: um papo que não me convence nada é esse de que o novo filme vai estragar o original. Como assim estragar o original? Você gosta do original? Pois bem, é só comprar o Blu-ray, ele segue existindo, fica tranquilo. Não é porque a Melissa McCarthy é hoje a maior estrela da comédia americana que o Bill Murray da década de oitenta vai deixar de ser um gênio. Ou, medo dos medos, subitamente virar uma mulher.

Mas voltando a 2016... chuto que agora seja a hora de começar o coro de que tudo virou machismo, que essa ditadura feminazi está dominando o mundo, que ninguém quer ver o James Bond como Jamie Bond ou o Harry Potter como Mary Potter (se bem que, em ambos os casos, eu queria, e muito). Afinal, por que deveríamos reclamar? Tá aí a Jennifer Lawrence protagonizando Jogos Vorazes e X-Men, a Shailene Woodley mandando ver na franquia Divergente, a onipresente Melissa McCarthy estrelando todas as comédias meia-boca do cinema americano. Bom mesmo era aquele tempo em que todas essas comédias meia-boca eram protagonizadas apenas por homens, não é mesmo?

E sabem o que é mais triste? Nessa nova ditadura feminazi, apenas 15% por cento dos grandes sucessos de bilheteria são protagonizados por mulheres. Isso mesmo, 15%. Ademais, as mulheres representam só 30% dos papéis secundários e a mesma proporção (ridícula, convenhamos) segue valendo para a quantidade de personagens com falas. Vários sucessos do cinema americano nem passam no teste de Bechdel, que consiste basicamente em ter, dentro de um filme inteiro, duas mulheres com nome, em uma mesma cena, falando de outra coisa que não homem. Dois exemplos: Deadpool e Homem-Formiga. Fora isso, nós, mulheres, correspondemos a apenas 15% das diretoras e 20% das roteiristas, e até mesmo o diretor desse Caça-Fantasmas tão feminista é um homem, o Paul Feig. Pois é, me parece que ainda falta um pouquinho, só um pouquinho, para a gente conseguir dominar o mundo.

Eis outra triste verdade: muitas vezes quando a gente fala que uma coisa é machista é porque, como eu posso dizer?, ela é simplesmente machista mesmo. Não é invenção, não é exagero, não é porque a gente precisa lavar uns pratos ou arranjar uns homens e calar nossa boca. Me desculpem, mas comentários como "mulheres são incapazes de serem engraçadas", "feministas destroem o mundo", "isso acabou de virar um filme de mulherzinha?" ou "eu vou chamar os verdadeiros caça-fantasmas para acabar com elas" - todos eles escritos publicamente em relação ao trailer - não têm outra palavra para serem definidos que não... machismo.

(E isso porque nem entrei no mérito de que o clássico original, que eu adoro, passa o último terço com a Sigourney Weaver vestindo um tecido esvoaçante, semitransparente, pedindo para todos os homens da face da Terra transarem enlouquecidamente com ela. Sério que a única mulher possuída do filme precisa ser assim?)

Por isso mesmo, independente do novo Caça-Fantasmas ser bom - eu torço muito para que seja, mas isso não vem ao caso -, eu afirmo e seguirei afirmando: só pela existência desse filme, nessas circunstâncias, o trailer já merece de minha parte um milhão de curtidas.

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.