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Cultura Pop no Brasil | O Shaolim do Sertão e mais novidades do cinema nacional

Coluna de Rodrigo Fonseca mistura notícias, entrevistas e curiosidades sobre o mundo pop brasileiro

24.06.2015, às 18H37.
Atualizada em 08.11.2016, ÀS 19H00

Vai ter soco, pontapé, voadora e toda a cartilha de golpes que o kung fu permitir em O Shaolim do Sertão, comédia cearense de artes marciais pilotada por Halder Gomes, diretor que tomou o circuito exibidor brasileiro de assalto com Cine Holliúdy, visto por 490 mil pagantes em 2013. Apelidado carinhosamente de “o Spielberg do Ceará”, o realizador de 49 anos – que é mestre tae-kwon-do, foi dono de academia e trabalhou como dublê nos EUA – está preparado para filmar agora no segundo semestre a saga de Aluísio Lee (vivido por Edmilson Filho), fã de filmes de Bruce Lee que, no Nordeste dos anos 1980, acredita ser páreo para valentões que infestam o terror país adentro. A produção marca um gesto de coragem para o cinema nacional, neste momento em que os produtores começam a se arriscar por gêneros antes raros por aqui (suspense, terror): ele investe no filão dos filmes de luta, artigo inóspito nas telas do Brasil.

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Nos anos 1980 e 90, filmes de artes marciais com Van DammeBolo Yeung e Cynthia Rothrock alcançaram imensa popularidade nos cinemas de rua do interior do país, em especial aqui no Nordeste. Eles não apenas apresentaram e popularizaram novos esportes marciais para o povo como representaram um encontro do Sertão com a cultura chinesa. As pessoas gostavam tanto daquelas histórias que chegavam a se vestir com os adereços orientais dos lutadores. Quero rever essa época”, diz Halder em entrevista ao Omelete durante o Cine Ceará, festival no qual exibiu seu Cine Holliúdy. “Somos um país de lutas. Exportamos o jiu-jitsu para o mundo. Não há razão de não investirmos neste filão”.

A trama de O Shaolim do Sertão recria os dias em que os programas de telecatch, luta livre e ancestrais afins do vale-tudo acabaram, fazendo que lutadores de todos os cantos do Brasil e da América do Sul saíssem errantes pelo Brasil, desafiando valentões nas pequenas cidades. É contra eles que Aluísio Lee vai cerrar os punhos, a fim de proteger sua paixão. Para filmar esse enredo no coração de seu estado, Halder vai empregar todo o know-how coreográfico de lutas que adquiriu como instrutor de artes marciais e como dublê. Ele refuta a tese de que não se filmam tramas de luta aqui por falta de atributos técnicos nas equipes. “Nossos técnicos têm talento de sobra para filmar ação. A questão é que as pessoas precisam de tempo para ensaiar. Tempo este que as produções não têm. E tem outra questão: meu protagonista sabe lutar. Mas, na maioria dos casos, os produtores e investidores brasileiros preferem ter um rosto muito famoso à frente de seus projetos, mesmo sem que estes astros dominem as lutas ou esportes retratados. Para você preparar um ator para cenas de combate como as que eu espero filmar, você precisa de pelo menos 20 dias de ensaios ininterruptos. Que atores teriam tempo e disposição para isso?”, questiona Halder, que vai misturar humor à adrenalina de O Shaolim do Sertão. “As lutas têm que trazer comédia junto, na mistura entre mundo real e mundo fantástico. É porrada com fuleiragem”. 

Atualmente envolvido na produção da série documental Nazamérica, para o Canal Brasil, acalenta ainda um projeto de documentário sobre os ícones das artes marciais de Hollywood, entrevistando figuras como Loren AvedonDon The Dragon Wilson e o deus Chuck Norris. “No cinema, um lutador desenha sua técnica como um pintor que imprime seu estilo”, diz o diretor, apaixonado por pintura, que pretende abordar o universo das artes plásticas em um próximo projeto: Vermelho Monet.

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Halder Gomes mostra suas habilidades
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Já envolvido no projeto de Cine Holliúdy 2 e na comédia Bem-vindo a Quixeramobim, para 2016 em diante, Halder diz que o cinema brasileiro tem atores de sobra com punho de ferro para brigar... de mentirinha. “Murilo Rosa, com quem eu trabalhei em Área Q, é um excelente lutador. O Cauã Reymond e o Wagner Moura lutam também. Com eles e com Edmilson Filho, há um campo aberto para uma nova dramaturgia nas nossas telas”, diz o diretor, que nunca se viu obrigado a sair no braço com ninguém na vida real. “Além de mestre em tae-kwon-do, sou faixa roxa em jiu-jistu. Mas só briguei pra valer quando ainda não estudara artes marciais. Sou muito da paz pra brigar. Fora que, quem luta profissionalmente passa tanto tempo trocando porrada na academia que não vai perder tempo arrumando confusão por aí”.  

Animação à francesa

A cada ano, desde sua fundação, em 1993, o Anima Mundi adota um país como foco de homenagem, num gesto de honraria que, na edição deste ano - agendada para começar no dia 10 de julho no Rio -, será confiado à França. Serão exibidos 45 títulos franceses no festival – o maior do setor na América Latina – incluindo três clássicos longas-metragens: Planeta Selvagem (La planète sauvage, 1973), de René Laloux, O Rei e o Pássaro (Le roi et l'oiseau, 1980), de Paul Grimault, e As Bicicletas de Belleville (Les triplettes de Belleville, 2003), de Sylvain Chomet. A seleção chamada Foco França vai reunir curtas-metragens de sucesso em festivais no exterior como DuoTaupes e Dans ton regard, além de trazer um videoclipe do já citado Chomet: Stromae-Carmen. O evento vai receber representantes das maiores escolas de cinema de Paris e arredores: Gobelins, Supinfocom Autour de Minuit. Haverá ainda um debate com o animador indicado ao Oscar Bastien Dubois, realizador de Madagascar, Carnet de Voyage. Segundo a cineasta Aída Queiroz, uma das diretoras do Anima Mundi, “a força da animação francesa vem do fato de o Estado, lá, ter investido pesado em projetos de formação escolar, fomentando a produção autoral e influindo na indústria”. Pela primeira vez em seus 23 anos de história em solo carioca, o festival animado vai ocupar um terreno de luxo na Zona Oeste do Rio, na Barra da Tijuca: a Cidade das Artes, estendendo-se ainda pelo Cine Odeon, o Oi Futuro de Ipanema e o Ponto Cine. O Anima Mundi se muda para São Paulo de 17 a 22 de julho, onde se hospeda na Cinemateca e na Caixa Belas Artes.

Mais um tico de Anima

Num diálogo com a linhagem mais industrial do cinema, o Anima Mundi vai acolher 11 longas-metragens em sua 23ª edição, incluindo a nova produção dos estúdios Aardman: o esperadíssimo Shaun, O Carneiro, de Mark Burton e Richard Starzak. Dos mesmos criadores de Wallace & Gromit, o filme é um derivado da série homônima sobre uma bola viva de lã que vive aprontando encrencas. Um único longa brasileiro vai ter vez no evento: Nautilus, de Rodrigo Gava, que teve tempo de incluir entre seus dubladores o ator José Wilker, morto em 2014.

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E, por fim, do terreno animado...

No esforço de bombar o Brasil do melhor da animação do mundo, o Anima Mundi número 23 trouxe pepitas zero km de alguns dos cineastas do setor mais prestigiados do momento no mundo. Entre os títulos indispensáveis estão Não Podemos Viver Sem o Cosmos, do russo Konstantin BronzitFootprints, do mestre americano Bill Plympton, e Os Prisioneiros, documentário da portuguesa Margarida Madeira.

Demorou mas saiu

Quase três anos se passaram desde que O Gorila, de José Eduardo Belmonte, ganhou o troféu Redentor de melhor ator (para Otávio Muller) e atriz coadjuvante (Alessandra Negrini), mas nada de o filme produzido pela RT Features entrar em cartaz. Enfim, nesta quinta, a produção ganha as telas nacionais, experimentando a linguagem do suspense num thriller de tintas cômicas baseado em um conto do escritor Sérgio Sant’Anna (Um Crime Delicado). Numa atuação irretocável, Müller vive um dublador cujo fetiche é passar trotes em mulheres bonitas. Mas uma intriga de assassinato vai abalar sua paz. Confira...

A dona do Paraíso

Prestigiado em festivais internacionais com filmes como Éden e O Uivo da Gaita, o diretor carioca Bruno Safadi vai dirigir a portuguesa Maria de Medeiros (a namorada de Bruce Willis em Pulp Fiction) no épico de tons bíblicos Lilith, a ser filmado na Patagônia, em janeiro. Medeiros interpreta a primeira mulher de Adão, anterior a Eva, que também foi expulsa do Paraíso e se tornou maldita. 

Especulações para Veneza

No dia 29 de julho serão divulgados os 20 longas-metragens que vão concorrer ao Leão de Ouro no 72º Festival de Veneza (2 a 12 de setembro), mas já especula-se sobre as potenciais chances de disputa do Brasil, por conta do novo trabalho do veterano Ruy GuerraQuase Memória, com João Miguel, Charles Fricks e Tony Ramos. Baseada no romance homônimo de Carlos Heitor Cony, a produção recria diferentes épocas do Rio de Janeiro, indo do AI-5, em 1968, à morte de Ayrton Senna, em 1994, com base nas recordações de um jornalista, Carlos (vivido por Ramos e por Fricks em idades distintas) a partir das peripécias de seu pai, interpretado por João Miguel. Em maio, durante o Festival de Cannes, Janaina Diniz Guerra, filha de Ruy e produtora do longa, fez uma campanha pesada para promover Quase Memória na Europa, atraindo olheiros de peso como o crítico francês Michel Ciment. Lá fora, o nome de Ruy é um ímã de respeito por conta dos sucessos de bilheteria dirigidos por ele (em especial, Erêndira, que lotou salas nos EUA por meses a fio, em 1983) e de prêmios como os dois Ursos de Prata que ele ganhou no Festival de Berlim por Os Fuzis e A Queda. Ainda quanto à possível presença brasileira em Veneza, há também uma torcida forte por O Amigo Hindu, de Hector BabencoGaroto, de Julio BressaneMundo Cão, de Marcos Jorge, e Valeu Boi!, de Gabriel Mascaro.

Separação milionária

Autor do sucesso Qualquer Gato Vira-Lata 2, o roteirista Paulo Cursino já prepara uma nova empreitada no terreno dos blockbusters de humor: Divórcio 190. Produzido por LG Tubaldini Jr. (O Concurso), o filme terá direção de Pedro Amorim (Mato Sem Cachorro) e narra a história de um casal novo rico do interior que se separa. Quando ela exige uma pensão milionária, os dois vão às turras aos moldes de tramas como A Guerra dos Roses (1989).

CURTA ESSA: + 1 Brasileiro

Houve um tempo, longo até, entre as décadas de 1930 e 50, em que o cinema mais popular do Brasil era filiado ao gênero musical, no caso as comédias cantadas, com Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves & Cia, chamadas de chanchadas. Mas são raros os casos, recentes sobretudos, de longas nacionais musicais. Para dar crédito a uma tradição mundial outrora exercitada com glória nestas nossas terras, um curta-metragem capixaba resolveu se exercitar pelas veredas da dramaturgia cantada: + 1 Brasileiro, de Gustavo Moraes. Ainda inédito no circuito de festivais e da TV, o filme foi exibido numa sessão privê para o Omelete e impressionou olhares por seu domínio de uma cartilha clássica. Na trama, Charles Fricks faz um taxista que enfrenta toda a sorte de brutalidade nas ruas para criar sua filha a duras penas, expressando suas frustrações e sua perseverança soltando a voz. Conhecido pelo filme Baseado em Estórias Reais, de 2002, Moraes compôs as músicas de seu curta em parceria com Felipe Storino

*Com DNA luso-pop-suburbano carioca, Rodrigo Fonseca é crítico de cinema, roteirista e professor de história das narrativas audiovisuais, com dupla cidadania na Terra-Média de Tolkien, e nos rincões da Atlântida de Aquaman. Michel Gondry é o seu Godard e a pornochanchada, a sua alegria nas horas de solidão

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Confira os destaques desta última semana

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