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Affonso Solano | Senhor Babadook

“Nunca vi um filme mais aterrorizante que O Babadook.” – William Friedkin, diretor de O Exorcista.

04.06.2015, às 18H59.


Tenho a sorte de compartilhar do mesmo gosto pelo cinema de terror que meus dois irmãos. Dividimos muitos outros interesses, mas esta categoria cinematográfica parece capaz de colocar os apreciadores em uma peculiar posição de comunhão, como se dividíssemos um segredo sórdido e incompreensível sob os olhos do mundo. Há algo de reflexivo no gênero, digno de nos revelar a natureza humana em sua forma primária e nos fazer compreender melhor nossos medos e desejos. O amigo colunista Marcelo Milici certamente sabe do que estou falando.

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Infelizmente, assim como todo consumidor voraz de uma categoria específica de ficção, o apetite do amante do terror se torna refinado com o tempo, exigindo obras cada vez mais diferenciadas e/ou originais (Wer, que citei em uma coluna passada, foi uma que nos chamou a atenção, apesar do desfecho desapontador). Calejados pela estrada que trilhamos, eu e meus irmãos constantemente trocamos mensagens exaltadas sobre novas descobertas, dissecando películas capazes de satisfazer nossa fome. Muitas delas permanecem longe do mainstream, restritas aos caçadores de torrents. Poucas sangram para o nosso canto do planeta, encontrando um pequeno espaço em seletas salas de cinema ou sites de streaming.

Felizmente, The Babadook pertence ao último exemplo.

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Escrita e dirigida por Jennifer Kent, a produção australiana/canadense é baseada em um curta (também escrito e dirigido por Kent) onde a premissa sobrevive: uma mãe precisa proteger o filho de uma presença, a princípio, imaginada pela criança. A partir daí, o Babadook se utiliza da ferramenta monstro/metáfora com maestria, vestindo uma questão real e presente na vida de muitas pessoas com uma máscara horrorosa de ficção. Tal qual o bizarro livro pop-up que a protagonista lê para o filho, o filme nos apresenta uma parábola para questões desconfortáveis que poucos se dispõem a discutir, embalada em uma atmosfera tensa e opressora conduzida através de planos certeiros e uma edição de som minuciosa. Cautelosamente somos embebidos em um terror incômodo, cujo odor ficará em nosso consciente por muito tempo... caso saibamos como decifrá-lo.

Embarcando na citação de William Friedkin no início desse texto, também alego que O Babadook é um dos filmes mais aterrorizantes que já assisti – ainda que de forma muito mais profunda do que sua superfície sugere. Aqueles que o enxergarem somente como “um filme de monstro” estarão ignorando o que a própria obra recomenda quando diz:

“isso é o que visto por cima. É engraçado, não acha? Em breve vou me despir do disfarce. E uma vez que veja o que há sob ele, vai desejar que estivesse morta.”

Se está em uma palavra ou em um olhar, você não pode se livrar.

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Affonso Solano  é cocriador do Matando Robôs Gigantes, escritor do livro O Espadachim de Carvão e tem um canal no YouTube chamado Hora Super.

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